quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Lídia ...




Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas (enlacemos as mãos)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses
Desenlacemos as mãos,
porque não vale a pena cansarmo-nos
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o
Colhamos flores, pega tu nelas e deixá-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento
Este momento em que sossegadamente
não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças
E se antes do que eu levares o bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te
assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
(Lídia - Fernando Pessoa)

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